quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Uma lição de Vida: Maria Luiza

Gente, conheçam a (lindíssima e emocionante) história da Carolina e sua única filha, Maria Luiza...
  

Nestes nove meses minha filha nunca queixou-se dos procedimentos, por mais dolorosos que eles fossem. Nunca deixou de ser carinhosa e educada com todos os profissionais, que por força do dever, precisavam submetê-la aos mais terríveis procedimentos.

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Cada coleta de sangue, cada injeção de contraste, cada ciclo de quimioterapia, cada sessão de radioterapia, cada internação... em todos os momentos, minha filha, meu orgulho, o amor da minha vida, só demonstrava o quanto ela era especial. Carinhosa com as enfermeiras, com as recepcionistas e com os médicos. Cumprimentava a todos: seguranças, zeladores, atendentes, professoras. Ela gostava do hospital, mesmo tendo passado os piores momentos de sua infância naquele lugar. Nada de mágoa, nada de traumas. Com muita tranquilidade, ela esticava o bracinho pra coletar sangue e apenas dizia para as técnicas de enfermagem: “Eu vou contar até três, tá? Aí você coloca a agulha... Um, dois, três e já!” Ela respirava fundo, segurava a respiração e assim que o sangue aparecia na seringa ela soltava o ar. “Ufa... Nem dói muito. Mas ainda bem que você é fera pra tirar sangue, né tia?” Dizia ela, com um sorriso no rosto.

Ana Luiza entrou e saiu do tratamento sendo a mesma criança de sempre. Com a diferença que tornou-se mais madura, aprendeu novas palavras, novos significados, conheceu novas pessoas. Aos 7 anos, ela mostrou uma maturidade espiritual que envergonha muita gente. A resignação, a confiança e certeza de que tudo ficaria bem.

Ao olhar pra minha pequenina, eu não via somente minha filha única, uma criança extremamente amada pela família e amigos. Eu enxergava uma mocinha vitoriosa, segura e confiante, cuja doença mais temida do mundo, não foi capaz de destruir, apenas de fortalecer.

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Há meses Ana Luiza falava em nadar na “piscininha” de água quente do sítio. Ela adorava a “piscininha”, um ofurô delicioso que o vovô mandou construir ao lado da “piscina grande”.
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Enquanto eu explodia de alegria por ter chegado ao fim do tratamento, pelas vitórias alcançadas diante dessa doença terrível, minha pequena estava feliz porque poderia tomar banho de piscina. O quão profundo é isso? Ana Luiza, mais uma vez, nos mostrava o que era felicidade. Felicidade era um banho de piscina na casa do vovô.

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Apesar do fim do tratamento estar próximo, Ana Luiza só poderia voltar pra Manaus definitivamente, após os exames de imagem (ressonância magnética da coluna e do crânio, tomografia computadorizada do tórax e cintilografia óssea). E estes exames só poderiam ser feitos após 01 mês do último dia de tratamento, portanto, só voltaríamos para Manaus, definitivamente, em julho de 2011.

Com a autorização da médica, agendei o exames de Ana Luiza para o dia 18 de julho, véspera do aniversário dela. Assim, poderíamos comemorar o aniversário dela em São Paulo e logo depois dos resultados dos exames, finalmente voltaríamos pra casa.


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Depois de algumas horas de insônia, algo incomum pois eu realmente dormia bem, finalmente caí no sono. Ana Luiza havia pedido pra dormir com minha mãe e eu acabei dormindo no escritório.

No dia seguinte todos nós acordamos e Ana Luiza continuava dormindo. Marcos ligou, disse que estava no trabalho, esperando uma definição da companhia aérea. Fui tomar banho e assim que saí do banheiro enrolada na toalha, Ana Luiza acordou gritando. Minha mãe correu pro quarto e Ana Luiza, sem conseguir falar direito, chorava muito, dizendo coisas incompreensíveis.

Quando cheguei no quarto, Ana Luiza estava no banheiro da suíte vomitando e gritando de dor. Minha mãe chorando desesperada, segurava e apoiava a cabeça dela com a mão.

Ana Luiza estava sentindo muita dor na cabeça. Gritava segurando a cabeça e dizia que teve um sonho terrível, que uma pessoa dava um tiro na cabeça dela e ela morria. Minha mãe soluçava e mal conseguia falar.

Tirei minha mãe do banheiro e pedi que ela fosse até a cozinha pegar os remédios da Ana Luiza e tentasse se acalmar. Segurei minha pequena no colo que, muito fraca, só chorava e dizia que estava com muita dor de cabeça e sono.
Coloquei ela no colo e a carreguei até o outro quarto, deitei-a na cama e dei os remédios de náusea e dor. Ela vomitou tudo de novo e, sonolenta, voltou a dormir. Eu me vesti apressadamente, liguei para o Marcos, contei o que aconteceu e ele disse pra irmos para o hospital.

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Abri a porta do quarto e de longe avistei a Dra. Cecília e a Dra. Viviane, bem em frente ao posto de enfermagem. Elas conversavam, com o rosto apreensivo. E a cada passo que eu dava, eu me tremia ainda mais. Na mesma hora, me lembrei das palavras da Dra. Cecília: “Se o câncer voltar, não teremos mais nenhum tratamento”.

Eu tentava tirar esses pensamentos da minha cabeça. Assim que eu cheguei perto delas e antes mesmo que eu conseguisse cumprimentá-las, a Dra. Cecília me fulminou com suas palavras: “Carol, não tenho notícias boas. Infelizmente temos uma recidiva no sistema nervoso central, que está tomando toda a região meníngea. Fui conversar com o diretor da área de imagem e infelizmente, não temos dúvidas de que seja uma recidiva.”

Apenas coloquei as mãos na cabeça e disse: “Que merda, Doutora! Ô meu Deus, que desespero!!” E caí em um pranto tão desesperador, que mal conseguia enxergar as coisas direito. Me deu uma náusea tão forte, uma tontura, uma vontade de gritar...

As médicas apenas me olhavam, com um semblante de tristeza profunda! Recebi um abraço e tentava me recompor, mas a vontade que eu tinha era de me atirar no chão! “E agora, doutora? E o que a gente pode fazer? Existe alguma alternativa? Alguma radioterapia disponível ou alguma quimioterapia?”

A médica apenas disse que conversaria com a equipe, mas que infelizmente não existiam mais armas para combater a doença. Não era possível fazer cirurgia, e a região a ser irradiada por uma possível radioterapia, seria muito grande, pois o tumor tomava toda a área das membranas que recobriam o cérebro."

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Voltei para o quarto e Ana Luiza continuava deitadinha. A enfermeira, como se tivesse sido treinada pra esses momentos, apenas me abraçou e sem dizer absolutamente nada, saiu do quarto. Ana Luiza me viu e esticou a mãozinha em minha direção, como ela sempre fazia. E eu segurei sua mão e caí no choro.

“Me perdoa, filha!” Era o que eu dizia... “Me desculpa por chorar! Mas eu preciso conversar com você e estou muito triste.”

Ana Luiza apenas disse: “O que foi, mamãe?” E eu expliquei que o câncer tinha voltado e que por isso eu estava chorando. Ela, com toda sua força, sem derramar uma lágrima sequer, enfaticamente disse: “Mãe, o câncer não voltou!”

Eu expliquei que tinha voltado sim, que as médicas haviam conversado comigo lá fora e que elas não iam inventar uma coisa dessas. Então ela olhou pra televisão, olhou de novo pra mim e com muita calma apenas disse: “Se eu fiquei boa uma vez, vou ficar boa de novo. Deus me ajudou uma vez e vai me ajudar de novo, mãe. Não precisa chorar.”

Quando ela falou isso, me senti um verme. Uma pessoa completamente sem fé, sem otimismo. Chorei mais ainda. E ela disse: “Mãe, eu que estou doente, deitada aqui nessa cama, não estou chorando! Por que você está chorando? Não precisa chorar.”

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Escutando aquele ser de 7 anos de idade, que em poucas palavras me mostrou o que é ser forte, não tive outra opção: enxuguei as lágrimas, lavei o rosto, respirei fundo e fiquei esperando meus pais chegarem.

Eu tinha que ser forte para dar a notícia pra eles. Da mesma maneira que minha filha foi forte pra mim, eu teria que ser pra eles.

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Meus pais chegaram, trazendo lanchinhos pra gente, animados pois achavam que logo ela receberia alta. Eu não perdi tempo. Expliquei, resumidamente, que o resultado da ressonância havia ficado pronto e que infelizmente o câncer tinha voltado. Foi um choque desesperador. Eles ficaram mudos. Vi o abatimento na cara de cada um deles. Meu pai, com um olhar de dor muito grande, perdeu a voz, perdeu as forças. Mal conseguia conversar.

Minha mãe ficou muito arrasada, chorou, me abraçou. O que fazer agora? O que pensar? Ficamos todos completamente despedaçados.


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O médico que veio fazer o exame, experiente, cuidadoso, carinhoso, transmitiu muita segurança pra ela e pra gente. Posicionou Ana Luiza e pediu que um de nós, segurasse o tronco e a mantivesse na postura. Ela não quis que eu a segurasse. Queria apenas o Marcos. Assim que ele iniciou o procedimento, Ana Luiza gritava desesperadamente. Chorava muito, um choro desesperado de muita dor, e gritava dizendo: “Aiiii, papai!! Me ajuda!!! Aiiii, papaaiii!! Socorro!! Aaaiiiiiii” Eu não aguentava ouvir aquilo. Era enlouquecedor ouvi-la gritar daquele jeito. Nunca tinha visto Ana Luiza tão sentida, tão sofrida.
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Passado os exames, já de posse dos resultados, a Dr. Cecília ligou para o apartamento onde estávamos internados e pediu que fôssemos ate o consultório.

Explicou que o tumor tomou toda a região das meninges, não só a parte que recobre o cérebro como também a que recobre a medula espinhal. Os resultado do Mielograma apontou a presença de células anormais, portanto estava confirmada a recidiva do rabdomiossarcoma. Ela falou que a única droga disponível teria um efeito paliativo, ou seja, poderia segurar o avanço da doença, por outro lado, poderia debilitar muito a criança, pois Ana Luiza já tinha feito um transplante autólogo há pouco mais de 3 meses e que sua medula óssea ainda estava enfraquecida, podendo não responder bem a esta nova quimioterapia. Ela concluiu dizendo que a decisão pela quimioterapia era nossa.

Perguntei o que ela achava. Perguntei se ela achava sensato fazer a quimioterapia. A resposta foi simples: “Carol, Ana Luiza não é minha filha. Eu não posso dar opinião. Não fui eu que carreguei ela no ventre. Somente você pode decidir. E não existe certo e errado nessas horas. Tem familiares que preferem ir pra casa, aproveitar o tempo restante. Outros preferem ir até o fim. Mas essa decisão é sua. Somente você, que carregou Ana Luiza, pode decidir.”

Chorei muito. Um choro sentido. O momento mais triste da minha vida. E tudo que eu mais queria era colocar Ana Luiza nos braços, pegar um avião e voltar pra Manaus. Entrar em casa, permitir que ela entrasse em seu próprio quarto mais uma vez, jogar videogame com ela, tomar sorvete, deitar no chão da sala, comer pipoca, arrumar seu cabelo pro balé, levá-la pra ver o rio, dormir ao lado dela. Tudo que eu mais queria era a minha vida normal de antes. Chega de quimioterapia!!

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A Dra. Cecília nos deu um tempo para pensar. Marcos e eu, cabisbaixos, fomos voltando para o quinto andar. Marcos foi enfático: “Vamos fazer a quimio, Carol. Daqui 5 semanas, 5 meses, 5 anos, estaremos tranquilos pois teremos em nossos corações, que fizemos tudo que tinha disponível em 2011 para tentar curar Ana Luiza. Eu sei que estamos todos cansados, ela também. Mas eu acho que devemos tentar.”



Jun 2010 - Vida normal


Jul 2010 - Niver de 7 anos (2 meses antes do diagnóstico)


20 Set 2010 - Dia do diagnóstico através da ressonância


Out 2010 - 1º Ciclo de Quimio


Out 2010 - 2º Ciclo de Quimio


Out 2010 - Saindo animada de uma consulta


Nov 2010 - 3º ciclo de Quimio


Nov 2010 - Aguardando alta hospitalar


16 Dez 2010 - Recuperando dos efeitos da quimio


29 Dez 2010 - Em BH


01 Jan 2011 - Ano Novo, Chapéu Novo


18 Jan 2011 - Aguardando na indução anestésica


18 Jan 2011 - Após a cirurgia, ficou apenas 12h na UTI


20 Jan 2011 - Tomando um sorvete de napolitano


Jan 2011 - Em casa, após 5 dias da cirurgia.


Fev 2011 - Após implante de cateter central para coleta de células tronco


Fev - 2011 Cateter para coleta de células tronco


Fev 2011 - Alta após colocação do cateter


Fev 2011 - Coleta de Células Tronco


Fev 2011 - Aguardando para fazer a cintilografia óssea pré-transplante


Fev 2011 - Distraindo a cabeça enquanto faz quimio de altas doses


Fev 2011 - Fazendo graça com o coletor de vômitos na TMO


Março 2011 - Ida para UTI


Março 2011 - Força, Leucócito!


Março 2011 - Voltando a sorrir graças a Polvina =D


Março 2011 - Comendo um macarrão com molho de tomate na UTI


Mar 2011 - Feliz da vida, fora da UTI


Mar 2011 - Recebendo muitas visitas e ganhando muitos presentes.


Mar 2011 - Visita da Giulia e família


Mar 2011 - Planejamento da Radioterapia


Abr 2011 - Dia da alta após 47 dias de internação: Fabi e Ana Luiza, juntas na luta contra o câncer.


Abr 2011 - Primeiro dia no hotel


Abr 2011 - Muitas visitas e presentes no hotel


Abr 2011 - Escrevendo bilhetes enquanto recebia a medicação em casa


18 Abr 2011 - Primeiro dia de Radioterapia no crânio


Abr 2011 - Ana Luiza, Laura e Júlia


Abr 2011 - Jogo do Corínthians


Abr 2011 - Passeios e mais passeios

Confesso que eu não consegui ler continuamente a história da Maria Luiza, pois a todo momento tinha que parar para secar as lágrimas. Procurei resumir a história aqui no blog, mas você pode acompanhar tudo, desde o início, no blog da Carolina Coelho Varella, mãe da Maria Luiza:
http://vidanormal.blogspot.com.br 

Carolina não teve forças para terminar de escrever a sua (tão triste) história, mas infelizmente, o pior aconteceu: Maria Luiza não resistiu...
 


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